A votação na Câmara dos Deputados do projeto que trata da Regulamentação da
Terceirização escancarou como poucas vezes pudemos observar o estado de
desigualdade que existe entre as forças do capital e do trabalho no Brasil,
deixando à mostra uma situação aparentemente irreconciliável entre as
partes.
Esse cenário de confronto ficou mais evidente no ambiente
político e parlamentar, onde a bancada trabalhista e sindical, em menor número
que os representantes do empresariado e do patronato, foi atropelada pelo voto
daqueles favoráveis a um processo de terceirização amplo, geral e irrestrito, em
tudo contrário aos direitos trabalhistas e humanos dos trabalhadores
brasileiros.
Penso ser desnecessário listar, uma vez mais, os extremos
malefícios que a terceirização causará nas relações de trabalho e emprego no
País, bem como tudo o que dela pode derivar, como o risco da implantação
desenfreada de cooperativas de trabalho, da pejotização, que poderá representar
o tiro de misericórdia em todos os direitos até hoje duramente adquiridos pelos
trabalhadores na forma como hoje os conhecemos.
E é como trabalhador e
contribuinte, que me sinto no dever de afirmar que essa Lei da Terceirização não
foi pensada para cuidar da regulamentação dos trabalhadores terceirizados e,
sim, para tratar de desregulamentar os trabalhadores formais, gerando tão
somente lucro excessivo aos patrões, menos receita ao estado com a diminuição do
recolhimento de impostos e tributos, além de desemprego e insegurança jurídica
em grande escala aos trabalhadores.
Apoiado na vivência e nas lutas
sindicais me proponho algumas reflexões que passo a dividir com vocês: há onze
anos, esse PL perambula pelas comissões e gabinetes da Câmara, até desaguar para
votação em plenário, justamente no momento em que a representação política dos
trabalhadores está mais frágil, em menor número, resultado de uma eleição
altamente polarizada e que deixou muitas cicatrizes.
Difícil, então,
esperar que houvesse algum tipo de entendimento, de negociação. Restava apenas,
dentro do Congresso, a decisão no voto, e essa, como sabemos agora, nos foi
amplamente desfavorável.
Ouso crer que, lá atrás, bem no comecinho desse
governo dos trabalhadores, quando da criação da maior base aliada jamais vista
em qualquer governo do mundo, nos faltou a devida competência e astúcia política
para matarmos o monstro no nascedouro, evitando assim que nos tornássemos suas
vítimas mais na frente, como verdadeiramente aconteceu.
Naquela época,
mesmo com a representação patronal e empresarial também sendo maior em número e
poder econômico, a bancada trabalhista e sindical reunia a força e a união
necessária para, com o apoio dos trabalhadores e da sociedade como um todo,
enterrar de uma vez por todas essa excrescência que é o projeto da
terceirização.
Mas, foi dada uma excessiva importância à manutenção da
tal base parlamentar de apoio ao governo que, no final das contas, acabou
servindo mais aos interesses patronais e empresariais do que aos anseios e
demandas dos trabalhadores.
O receio de melindrar esses interesses
permitiu a aprovação de propostas como as desonerações tributárias para vários
setores da indústria; as facilidades sem fim para o funcionamento e expansão do
agronegócio, mesmo à custa de importantes causas socioambientais, dentre outros
projetos que iam de encontro ao programa do governo eleito.
Enquanto
isso, ações efetivas como a derrubada do PL da Terceirização, o fim do fator
previdenciário e a ampliação do diálogo com a sociedade, só para citar alguns
exemplos caros aos trabalhadores, eram deixados para o fim da fila de
prioridades.
Não creio que esse desaforo, representado pela aprovação do
projeto da Terceirização, venha a ser o último tabefe do poder econômico na cara
do trabalhador. Muito pelo contrário.
Mas, posso assegurar, que foi mais
um dos incontáveis motivos que tem impulsionado o movimento sindical em busca da
retomada do protagonismo político e social do qual inexplicavelmente abriu mão
com a chegada da redemocratização, talvez pensando que estivessem solucionados
os problemas políticos, sociais, econômicos e estruturais
brasileiros.
Reaprendemos a duras penas, dia a dia, que nada nos será
entregue — como nunca o foi — sem suor, luta e, muitas vezes, sangue. Que os
senhores deputados e senadores, agora debruçados sobre esse projeto vital para a
manutenção da dignidade e integridade do trabalho e da classe trabalhadora no
Brasil saibam e sintam que estamos de olho, vigilantes em sua atuação
parlamentar e que saberemos cobrar, no voto, democraticamente, ao atendimento à
nossa vontade soberana.
Carlos Alberto Schmitt de Azevedo, presidente da
Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL)